Atentar contra Rui Albuquerque é agredir a cultura, a cidadania e a história de Alagoinhas
Por Paulo Dias
Drt/Ba 1903
Não temos nos dado conta, em Alagoinhas, que estamos sofrendo de alzheimer social. Isso está acontecendo em todo o canto, é do mundo ocidental, as pessoas vivem presas em um presente eterno. No entanto, em cidades onde existe uma cultura intelectual forte, há um grupo ou segmento responsável por produzir a memória coletiva, toda a intelectualidade está atenta a ela e o ente público faz sua parte promovendo museus, pesquisas e publicações, como ocorre aqui na
Bahia em Salvador, e mais timidamente, em Feira de Santana e minimamente em Juazeiro, Itabuna e Vitória da Conquista.
Nossa intelectualidade hoje é bastante dispersa, pulveriazada e cada um vive olhando para seu próprio umbigo. Nossos acadêmicos são todos de Salvador, não vivem, não convivem, não militam em favor da nossa cultura.
Essas cidades interioranas são peculiares, pois tiveram culturalmente uma forte influência regional, a história do sul é a história do cacau e a história do cacau é a história de Itabuna/Ilhéus. Há uma continuidade cultural, como a pecuária em Vitória e o velho Chico e o sertão em Juazeiro. Também os líderes locais terminavam sendo líderes regionais. Em Alagoinhas pode ter sido assim na época da laranja, do curtume e do fumo, quem não conhecia Pedro Saturnino ou Júlio Carmo?
Há mais de 50 anos que Alagoinhas perdeu esse protagonismo regional, entretanto mantendo o papel de cidade polo. Passou a ser apenas a cidade para onde todos migram, vêm estudar ou ir ao médico. Hoje acredito que nela se tem 50% de pessoas vindas de fora ou de pessoas que representam a primeira geração alagoinhense de uma respectiva família.
Como não investimos na construção da nossa memória, que o diga Iraci Gama, grande lutadora desse segmento, somos uma cidade sem referenciais. Iraci Gama, com suor e lágrimas, está finalmente produzindo um livro sobre a história da ferrovia para diminuir esse passivo. Já conversamos até sobre fazermos algo quanto à história do jornalismo alagoinhense. Lithu Silva já está preparando um livro sobre nossas origens tupi/africana. Sim, e Bruna Meyer (do teatro, do Reggae Zambê) fez recentemente uma monografia e um documentário sobre Antonio Mário, nosso expoente/pai da cultura municipal. Nem tudo está ainda perdido.
Falei tudo isso para me referir à agressão à nossa cidadania que representa o fato do nome de Rui Albuqerque estar circulando em uma delegacia de polícia como um bandido por exercer, como sempre fez brilhantemente, seu nobre papel de jornalista. Se Alagoinhas tivesse memória, um vereador de baixo clero não teria a empáfia de oferecer queixa de tão ilustre alagoinhense, nem o policial a registraria. Claro que se ele o merecesse, que cada um cumprisse com o seu dever - ninguém está acima da lei, mas de forma alguma por motivo banal, interpretativo/subjetivo, diria até medíocre e mesquinho. Na realidade uma tentativa de intimidamento e de silenciamento, gesto autoritário mesmo.
Porque sem a memória coletiva plenamente cultivada, os vereadores de intelecto pouco dotado não têm como saber que a cidadania, em nome da qual ele exerce, de forma tão limitada e servil, seu mandato, deve-se a pessoas e a jornalistas como Rui Albuqueruqe, Walter Campos, Belmiro Deusdete etc.
Conheceria também a história da própria Câmara de Vereadores e procuraria honrá-la. Pois digo, graças a Rui Albuquerque, o jornalismo cidadão, bem plantado desde os primórdios, não morreu com a extinção do Alagoinhas Jornal. Ele, junto com Belmiro, na rádio, foram seus continuadores e tudo de bom que existe na nossa vida pública vem da coragem de homens e mulheres como Rui, Totinha, Aidé Amorim, Normândia Azi, a prória Iaci Gama, Antonio Fontes, Fernando Aranha, Marco Antunes, Elionaldo Faro, Pedro Marcelino, Luiz Ramos, Chicão do movimento Afrodescendente, Josival Fagundes, Haroldo Azi e tantos outros.
Alagoinhas tem história e agredir ardilmente, de forma volitiva e até irresponsável, a imagem de Rui Albuquerque é manchar, é cuspir nessa história e fazer isso por desconhecê-la é o maior atentado à democracia e um sinal de que corremos perigo de adentrarmos no caos social. Alagoinhas precisa se levantar diante dessa indignidade. Thor de Ninha e Juci Cardoso subscreverem uma nota atacando Rui Albuqueruque é pisar e sapatear na história da esquerda de Alagoinhas, dando continuidade aos vários atos contra esta daquele que tão brutalmente a desonrou e desonra por seu reconhecido egocentrismo.
Que fez Rui? disse que a parede azul era azul, reproduziu a fala de uma liderança empresarial da cidade. O jornalista não pode usar como elemento causal um boato, mas citar um boato como desdobramento de uma causa é óbvio que é legítimo. Os vereadores fizeram por merecer o boato ao não dar a devida clareza e sentido a suas ações e quem o mencionou foi o entrevistado, de maneira ilustrativa como disse, tanto que o período esta aspeado, será que os vereadores não dominam o português no seu aspecto mais elementar? De nada duvido mais.
Os vereadores que foram à delegacia e a própria Câmara de Vereadores, que fez a nota de repúdio, devem milhões de desculpas ao grande jornalista. Rui é uma escola de jornalismo e um exemplo de cidadania - lembrem-se que não disse que ele é santo, como nenhum de nós o é. Ao invés da delegacia, seu lugar seria na cadeira mais alta da Secom em uma cidade de brio e que bem cultivasse sua vida intelectual. A comuniicação da cidade estaria nesse momento fazendo uma contranota à Câmara de Vereadores e em repúdio ao Boletim de Ocorrências lavrado, um verdadeiro acinte, é asqueroso e mesquinho demais.
Estamos vivendo tempos sombrios, com tiranos brotando aos montes de todos os cantos. Deveríamos estar todos juntos combatendo esse aviltamento da liberdade de expressão. Se fizeram essa vileza contra Rui Albuquerque, o farão também com qualquer outro que tiver a coragem de carregar a sempre pesada bandeira da verdade. Eu não tenho medo de tirania, quando passar a temê-la é porque já não mereço ser chamado de jornalista, que cada um também honre o papel que lhe cabe perante a cidadania e a democracia. Temos uma sociedade a zelar, o que só pode ser feito com valores claros e intransponíveis. Vamos nos curar desse alzheimer social tão logo e por todos.
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