A ditadura da leveza e da fofura

 



Tudo começou com as narrativas, narrativa para lá, narrativa pra cá. Não existe mais verdade, existem versões. Mas existe verdade, sim, eu meio Kantiano acredito que somos incapazes de atingi-la, mas ´podemos nos aproximar dela. 


Contudo agora só existem narrativas, mas a coisa tem evoluído. Estamos há muito buscando a leveza, a insustentável leveza do ser, que significava, na época, um modo afetivo de se conduzir, sem opressões e sem moralismo, mas verdadeiramente afetivo.


Hoje estamos fabricando uma afetividade com base em uma afetividade real, mas sutilmente reformulada. Entramos na sociedade do espetáculo, tudo que é sólido se desmancha no ar. Estamos entre o ficcional, o virtual e o estético. O povo que vai de encontro a tudo isso e quer criminalmente continuar sendo "simplório" ou os que, igualmente criminosos, insistem em ter emoções profundas devem ser tratados com o máximo de desprezo e crueldade. Para estes não existe perdão.


 O mesmo design das grandes grifes é vendido na feira popular, qual é a diferença? ela é sutil, está na qualidade dos materiais e no acabamento. Na qualidade do tecido, da pele, do cheiro, dos cabelos, a quantidade de músculos no abdômen e os dentes. Assim são distinguidas as várias faixas de classe média. O que se confirma, depois, pelo endereço, pela marca do carro, pelo restaurante frequentado ou a sofisticação da culinária adotada ou dieta e pela quantidade com que se vai ao exterior.


Quanto a emoção ocorre o mesmo, o beautifull people de antes é substituído pelos belos e fofos de hoje. A verdade ou a versão preponderante está com os belos e fofos e leves. As emoções densas e profundas se tornaram indesejáveis. As melhores ideias são aquelas ditas pela boca mais bela e cândida.


 Tudo isso tem a ver com a mídia. Tudo se virtualiza e essa ínfima densidade do virtual é que domina agora as emoções, passamos da sociedade do espetáculo para adentrarmos a espetacularização das emoções. Divertidas, funcionais, demarcadoras de territórios... hipócritas? quase... elas precisam ter uma dose de verdade e de amorosidade verdadeira, uma pequena dose, bem medida.


Tudo tem que ser fofo e leve - estetizado e portanto purificado. Não importa que 500 milhões sofram de depressão crônica, os milhões de suicídios, e a miséria e a pobreza. A questão social, a desigualdade social saiu do centro da discussão política, hoje o que impera é a discussão de gênero. 


Até a discussão racial vem se tornando secundária, subordinada à questão da imigração, o mundo tem que ser um mundo de fantasia global. A questão ambiental também funciona bem para a construção do mundo fofo e leve. Não importa os milhões que se deprimem, por não serem fofos e leves o suficiente. 


Os milhões que morrem de fome simplesmente desapareceram. O mundo tem que ter a leveza, a fofura e o cérebro de uma criança de 4 anos. E a justiça, a justiça será feita por um juiz fofo, em favor da parte mais fofa com o advogado mais fofo. Ou seguirá simplesmente o discurso dessa camada da sociedade mais fofa e leve. 


Interessante é que os fofos estão cada vez mais sensualistas, sexistas e materialistas, o amor é permitido, e até bem vindo, desde que ele seja estetizado, espetacularizado, fofinho e leve, como uma criança de 4 anos, desde de que ele seja uma fina camada  de esmalte ou de gelo. 


No entanto, ele assim é a face atual da mais pura crueldade e da desumanização, mostrando uma máscara terrivelmente humana. O caso Johnny Depp X Amber Heard mostra um pouco desse mundo. Na realidade uma disputa para saber quem é o monstro, quem é o fofo. O que seria melhor para todos é que sentimento e estética se harmonizassem.

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