Africalizou trança os caminhos da beleza preta em Pojuca


 

Período de festa, a casa de Lorena Ferreira virava um salão de beleza. A mãe e as tias arrumavam-se e as suas filhas. Ela aprendeu muito cedo o que é autocuidado e autoestima. Seu pai, trabalhador da indústria multitarefa e mestre de capoeira. Cultura e criatividade estavam sempre em alta em sua família. Estudou no Colégio padre João Montez, com muita tradição em promover atividades artisticas. Lorena escreve poesia, canta e está aberta a atuar como modelo. Ela junto com a mãe fizeram uma revolução na cabeça das mulheres e homens negros da cidade de Pojuca, rompendo barreiras e preconceitos e dando um chega nos cabelos alisados, garantindo lugar ao black, aos dreads e sobretudo às tranças.


Lorena Ferreia presenciou meninas negras sofrendo bullying na escola. Desde  pequena Lorena teve seus cabelos alisados. Mas a mãe, dona Jocileide, recebia em casa os alunos de capoeira do marido, mestre Buiú  ou José Rubens, para trançar os cabelos. Ela aprendera com a avó aquelas técnicas-conhecimento ancestral. As tranças estão na família há muitas gerações. D. Jocileide fazia as tranças em bonecas de pano ainda menina.


Sua  irmã queria alisar os cabelos para se enquadrar nos padrões da época. Mas considerando que a filha mais velha, Lorena, já estava fazendo a transição capilar, a mãe resolveu que era hora de fazer uma mudança radical na cabeça das filhas e depois na sua própria. Como o cabelo em transição se desarruma, Lorena recorreu às tranças feitas por sua mãe. Olhando na internet, descobriu as tranças coloridas de lã aos 14 anos. Virou a sensação da escola e as amigas e colegas passaram a pedir para D. Jocileide para fazer o mesmo em seus cabelos.


Assim nasceu o Africalizou no bairro de Los Angelis, na porta de casa - no início  e já atendeu mais de 10 mil pessoas pretas em Pojuca, ajudando a difundir a cultura e a aumentar a autoestima de mulheres e homens da cidade dessa etnia. Um andar superior foi construído para abrigar o studio e a mãe fez curso de penteados afros em Sâo Paulo e curso de maquiagem. O seu instagran conta com 4 mil seguidores, lá você poder ver vários trançados para usar como referência e conferir a alta qualidade do trabalho: @africalizou.


Trança raiz: nagô. Material - Jumbo


Hoje depois de sete anos, os cabelos alisados foram deixados de lado na cidade e os homens abandonaram o corte de cabelo bem curto ou até a máquina zero. As tranças, os blacks e os dreads furaram a bolha e começam a embelezar também as cabeças de quem tem cabelo liso. Lorena  hoje toca o studio com uma assistente, formada por sua mãe. que deixou de trançar e hoje é professora do Africalizou. 


Ela se sente segura para dar continuidade ao trabalho e ao legado da mãe. Afirma que a constância é o segredo para qualidade técnica e que sempre procurou criar seu próprio estilo, seus próprios desenhos, incorporando jumbo, uma fibra artificial que dá colorido aos penteados, miçangas e búzios. Mas ela está sempre aberta a novos conhecimentos e informações. A internet é fundamental para adquirir Know how como para comprar produtos. 



Dread locs removíveis
técnica:: Crochetbraids


Salvador é o centro para a busca de conhecimento e inspiração com referenciais como Taiane Carvalho. Lá várias entidades tratam as trancistas como empreendedoras, grande parte de mães solos, oferecendo curso de logística, marketing e noções de contabilidade . Os artistas, a televisão, a música, o cinema já evidenciam esta cultura essencial na formação nacional. Em um dos carnavais recentes, o tema foi as tranças. Lorena tem inclinações artísticas bem afloradas, embora esteja procurando um curso superior na área de humanas. Ela tentou seguir com o curso de administração, mas viu que não era o caminho.



Rabo de Cavalo Infantil
material: jumbo


Os blacks foram adotados bem como os dread locs, marcando um senso de liberdade, acompanhado de muita sensualidade. Mas a tranças tem seu lugar especial, representam diversidade, linguagem, expressão de subjetividades e uma porta para uma vasta e rica tradição. O Africalizou passou a ser lugar de acolhimento de mulheres em conflito com seus valores, com suas histórias e com seus cabelos considerados ruins, só que não. Hoje elas se encantam com a variedade de possibilidades, disponíveis para evidenciar a beleza preta e passam a se abrir para este simbolismo ancestral.


."Tem penteados que levam até 12 horas, ali dá tempo para falarmos das dores e frustrações, trocamos informações e redefinirmos os conceitos e referenciais, entendermos que espaço nos cabe ocupar", afirma Lorena. O Movimento Ocupa Cultural, iniciado em 2014, contribui como elemento de resistência e de mudança. Pojuca já deixou há muito tempo de ser uma cidade branca, com o êxodo dos negros da zona rural, descendentes dos trabalhadores dos engenhos de açúcar, da pecuária e das olarias.



Trança nagô masculina
com jumbo


 Lorena foi uma das primeiras a desfilar em evento da Consciência Negra, mostrando a beleza das jovens pretas pojucanas. Época quando suas longas e coloridas tranças de lã já faziam sucesso. Muito antes, participou de um concurso de Garota Embeleze, em 2016, só não foi muito adiante nas etapas de classificação porque tinha cabelos alisados, este foi um dos motivos para mudar sua concepção estética. "É um processo que parece ser apenas externo, mas não, ele mexe com o interior, com seu senso de identidade e implica  superação  de anos de opressão do enbranquecimento imposto socialmente", afirma


Africalizou virou também endereço certo para várias crianças, algo que deixa Lorena bastante satisfeita. "Elas vão crescer, estão crescendo, sem senitr o peso do preconceito e da discriminação, vão estar com a autoestima elevada sempre", empolga-se. "Elas hoje têm o gosto de ir no salão, sabendo que existe uma profissional preparada  para atendê-las, chamando cada uma delas de linda, de bela, vivificando a beleza delas. Não vão passar por aquele trauma de entrar no salão e a pessoa não saber mexer no cabelo. Eu passei muito por isso quando era criança, de ouvir dizer que meu cabelo não era adequado, que não conseguiria chegar a um determinado resultado ao final do processo...encarar desde cedo pessoas vestidas e carregadas de preconceito o tempo todo. No Afrcalizou, a gente quebra essas cadeias que são reproduzidas, assim formamos um adulto confiante com certeza de si, com percepção de que seu cabelo é bonito, com o cohecimento das variações que ele permite. Não precisa ficar aprisionada à chapinha,à escova, saber que ela é livre para ser".


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