Mais-valia de Karl Marx, um conceito questionável

 




Estou lendo o livro de José Paulo Netto, "Karl Marx, uma biografia", que conta a vida e comenta a obra desse grande autor. Estou encantado com a leitura e resolvi fazer esses breves textos para estimular a leitura desse imprescindível pensador. Pretendo, no entanto, fazer uma leitura crítica e aqui colocar modestamente meu pensamento. 


Graças ao meu tom meio jocoso em quase tudo que escrevo aqui e meu jeito provocativo, despertei a ira de quem tem o pai do comunismo como um Deus, eu peço perdão pela heresia. O trabalho intelectual é observar acertos e erros da teoria por mais insignificante que você seja diante de pesquisadores mais brilhantes e experientes.


Eu enxergo pontos questionáveis em sua teoria, embora minha leitura direta do autor seja mínima. Recentemente li Fredric Jameson e Slavoj Zizek e li alguma coisa ou outra de Vladmir Safatle. Comparado com 90% dos militantes de esquerda, que não sabem nada de Marx, até que não estou mal e o que escrevo aqui, como já disse, parte das assertivas de Netto, que é sem dúvida o maior pesquisador do assunto no Brasil. Creio que com esses cuidados não estou sendo leviano e minhas pretensões são de fato modestas.


Coloco aqui minha questão: será que o cálculo da mais-valia só deve levar em conta as horas trabalhadas, só elas produziriam riqueza? Coloquei essa dúvida em outra matéria/artigo. Indagava se a intelgência militar, comercial, financeira e administrativa não deveriam ser levadas em conta. Deparei-me com a questão da herança.


Se tudo pertence ao trabalhador, proletariado, como devem ser recompensados aqueles que mais se dedicaram ao trabalho, ao estudo, à absorção de conhecimento? Se a herança é indevida, a pai não se preocupará em formar o filho, frente a uma perspectiva futura de implantação do socialismo. Os desecendentes daqueles que nada se dedicaram "herdarão" os bens tanto quanto aos daqueles que tanto se esforçaram.


 Essa questão parece boba, mas vou mostrar que não é. Desde já digo que a cadeia hereditária é uma solução imperfeita, mas a única historicamente possível. Lógico que existe a exploração do trabalho existe e ela terá que ser acertada um dia.


José Paulo afirma que a base do pensamento de Marx vem do pressuposto de que o trabalho engendra o trabalhador genérico(universal) bem como a essência da humanidade. Que a força humana incidindo sobre o objeto, do qual tem a fruição do produto gerado, coloca o trabalho como o cerne de toda a atividade social. O homem se socializa, se humaniza por meio do trabalho. 


Com a exploração deste com a propriedade privada, ele se desumaniza, se aliena do objeto do trabalho que passa a confrontá-lo, como representação de sua condição alienada, que vai assim forjar uma sociedade (modo de produção) que em tudo reproduz essa condição de alienação original, que o afasta da sua consciência de ser individual e se submete, esquecido de si, das normas para fruição do que produziu agora como algo estranho, alienado de si.


Veja estes trechos de José Paulo:


"Ora a exteriorização objetivação básica do homem é o trabalho, que torna real e objetiva a sua atividade vital, livre e consciente, pela qual se faz ser genérico e a vida produtiva é a vida genérica. É a vida que gera vida. No modo de atividade Vital reside todo o caráter de uma espécie, o seu caráter genérico, e a atividade consciente e livre é o caráter genérico do homem". (p.110)


"Quando for superada a propriedade privada, a sociabilidade humana revelar-se-á como tal: o ser do homem(o ser humano do homem) mostrar-se-á o ser social, mesmo quando exercer atividade na aparência solitária e no puramente individual, por exemplo, a elaboração teórico científica, até nessa atividade". (p. 110)


"O trabalhador é um ser genérico na medida que ele se comporta para consigo próprio como gênero vivo, presente, na medida que ele se comporta para consigo próprio como ser universal por isso livre e consciente/objetivo, o homem é genérico e objetivo porque se constitui na exteriorização do trabalho". (p.111)


"A essência humana não é o que esteve sempre presente na humanidade, mas a realização gradual e continua das possibilidades imanentes à humanidade ao gênero humano, no seu ato de exteriorização". (p. 112)


O que ele quer dizer com isso, que o ser genérico, a essência humana se estabelece exteriorizando-se na trasnformação do objeto (por isso ser consciente, livre e objetivo) e na fruição desse objeto transformado. Essa é a essência humana, que se perde no trabalho alienado.


Voltando a mais-valia e a herança, toda inteligência empregada na exploração do trabalho alienado de nada valem e a herança também se torna nula, porque o objetivo da vida é retornar ao trabalho que torna o homem ser genérico, ou seja essência humana.


Por essa visão, se ela estiver certa, todo o conhecimento, toda a tecnologia, o aparato estatal, os meios de comercialização devem retornar a essa que a essência humana, como se todo o capital pertencesse a ela, como tudo que existisse no mundo pertencesse ao trabalhador.


Acontece que Marx pode estar errado e até o momento que li o livro de José Paulo, não vi fundamento suficiente de que é o trabalho que dá o aspecto genérico ao homem e nem de que  este fosse a essência da humanidade. Acho que essa é uma visão romântica de Marx e seu conceito de ser genérico é apenas uma abstração ou uma outra metafísica. Acredito anarquicamente que o gérmen de toda a riqueza veio da primeira relação com o objeto e a sua fruição integral, mas só posso reconhecer esse preceito em seu valor espiritual. Por isso só consigo concordar com Marx anarquizando-o. 


O ser genérico de Marx me parece tão mítico quanto Adão e Eva. Mesmo assim, acho que a inteligência militar, comercial, financeira e administrativa geram valor e devem entrar no cálculo de uma nova mais-valia. Mas como já disse, sou bebê nesses assuntos, apenas engatinhando, mas desde essa fase tenra o pesquisador deve ter a ousadia de questionar. Vamos ler Marx, esse livo de Zé Paulo é apenas o começo.




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