Senna da Netflix, excelente documentário, mas poderia ser muito mais
A escolha de Gabriel Leone para o papel principal foi feliz, ele de fato lembra o Senna. Apareceu para o grande público em Velho Chico, em 2016, de lá pra cá, não parou de participar de filmes, séries, novelas e peças de teatro. Ele convence, as falas foram construídas para reproduzir o jeito picotado do piloto se expressar, Ele dá conta do recado, apresenta ben o modo contido, a timidez associada a rompantes de raiva e entrepidez. Mostrou como Senna deveria ser fora das câmeras da imprensa e como os fatos poderiam ter-se desdobrado.
Mas também aí começam os problemas ou supostos problemas da série, justamente por ter sido produzida pela Netflix tão manipuladora como nenhuma outra, exceto a nossa Rede Globo. Os diálogos não complementaram nenhuma informação sobre o personagem, apenas platitudes. O que se fez muito foi colocar falas com trechos de reportagens concedidas à época e com depoimentos prestados após sua morte. Ratificou duas versões oficiais: de que Allan Prost na realidade era um bom sujeito e a de que Xuxa foi um grande amor, alguém relevante na vida do corredor de F1.
Claro que tudo foi feito para corroborar o mito que se formou em torno de sua figura. Um Senna beirando a perfeição, tanto que fez o filme ganhar um tom publicitário, algo insosso como o que se passa e repassa nas sessões da tarde. O roteirista não quis ariscar colocar uma contradição nele, já que se tratava de uma obra de ficção, teria direito a esta licença poética.
Nem a homossexualidade, levantada por Nelson Piquet, foi exposta, nem sequer os rumores da homossexualidade de Xuxa. A Adriane Galisteu foi mais uma vez esnobada. A cena de Senna levando ela de carona na moto, foi representada substituínda-a por Xuxa. Está em todos os documentários que quem fez Senna relaxar e gozar foi Galisteu, mas este papel coube a Xuxa - não que ela não tenha feito também, mas nada que tenha dado a perceber pelos amigos.
Não se sabe se a licença poética foi usada para o mal, fazer marketing para determinadas figuras e para endeusar desnecessariamente o piloto. Já amamos Senna pelo que realizou e por suas transparentes boas qualidades, bastante claras. Ele aparece no filme com um entrépido garanhão, será? Um cara capaz de ir às vias de fato de tão corajoso, houve mesmo aquele empurra-empurra nos boxes com Prost? O que se sabe é que ele chamou Schumacher na chincha e aquela enquadrada geral na reunião dos pilotos foi fato. Mas brigar fisicamente, Senna?
A parte mais sincera do filme foi a torcida no Brasil, gritando: Balestre ladrão, Senna campeão! E que Ron Dennis mais apático, idem para Frank Williams? A impressão que se tem é que não fizeram pesquisa para produzir o roteiro, se basearam em documentários já batidos no youtube. O filme tem a profundidade de um Galvão Bueno, pode ser que ele tenha sido a fonte. A família, que naturalmente acompanhou tudo de perto, não transmitiu nenhuma singularidade ao realizador da pesquisa para ser caracterizada como uma família real?
A série não chega a ser péssima, é interessante e vale o registro histórico, mas não passou muito de uma propaganda de refrigerante. Abusou da máxima do cinema americano: "saia antes e chegue depois". Muitos cortes, muita pressa. A parte técnica, explicada em um anexo pós filme, foi realmente impressionante. As corridas foram recriadas em dois velhos autódromos na Argentina, as tomadas de rua e de interiores, na Argentina e no Uruguai. Mas muito se gastou com as réplicas dos carros e com recursos audiovisuais/efeitos especiais. Como homenagem valeu demais, esta história não poderia ficar de fora do cinema. O lado de Senna que é inspirador, isto está lá. Vamos lá, é um rico e instigante documentário dramatizado, talvez excelente nesse aspecto.
Protagonizada por Gabriel Leone (Dom), Senna ainda conta com Matt Mella como Alain Prost, Johannes Heinrichs como Niki Lauda, Joe Hurst como Keith Sutton, Steven Mackintosh como Frank Williams e Kaya Scodelario. A direção fica a cargo de Vicente Amorim e Julia Rezende. Já o roteiro é de Álvaro Campos, Gustavo Bragança, Rafael Spínola, Thais Falcão e Álvaro Mamute.
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