Castro Alves forever - texto de Paulo Dias, escrito em 1995 - 30 anos de jornalismo
CASTRO ALVES FOREVER
As pessoas, que procuram explicação para o fascínio que um único homem - Antônio Frederico de Castro Alves - exerceu e exerce ainda sobre toda uma nação, podem descobrir os indícios das causas desse fenômeno, lendo a edição da revista A Tarde Cultural, comemorativa da passagem dos 150 anos dos seu nascimento - A Volta do Condor.
Nesta publicação coordenada pelo jornalista poeta Florisvaldo Matos, ensaistas se juntaram como se fossem pintores a executar um painel tão grande que para um só artista ficaria impossível concluí-lo. Sendo logo de início castroviano: estavam entregues a uma empresa qual Torre de Babel. Tentou-se retratar Castro Alves inteiro e não o venderam aos pedaços a exemplo de publicações antigas que o queriam apenas como um patriota de versos doces - que maldade.
Agripino Grisco, talvez, esteja mais perto da razão dos fatos: "Castro Alves não foi um homem, foi uma convulsão da natureza". Mas não vamos nos desviar da nossa pergunta inicial: por quanto facínio ele despertava?
Seus contemporâneos ilustres, muito mais que passivos admiradores, escreveram ensaios sobre sua poesia como se sentissem uma necessidade ardente de se declararem seduzidos pelo seu gênio.
Precisavam, acima de tudo, registrar a passagem de um astro, pegar a máquina fotográfica da palavra para dizer ao mundo de sua existência. Ele estava ali diante dos olhos incrédulos. Alguém que era incomum, original, mas, acima de tudo, extremamente humano. Era a sinceridade em estado puro, fazendo questão de amar e viver em um mundo que só se sustenta pela mentira.
Foi admirado como gênio por gênios como Rui Barbosa, que compartilhou com ele um quarto de hotel em São Paulo, Euclides da Cunha, Machado de Assis, nosso maior realista. José de Alencar, Fagundes Varela, romântico de grande talento, Silvio Romero, José Veríssimo e uma legião de intelectuais, que a nossa educação não fez questão de que os conhecêssemos.
Estes tiveram o privilégio de ouvir Castro Alves declamando em teatros, incrível como uma tradição tão saudável tenha desaparecido. Por falar nisso, nós baianos temos uma dívida de gratidão com o poeta muito grande. Com o poema Ode ao Dois de Julho, que exaltava a independência da Bahia, mas que destacava a brava luta dos baianos para alcançá-la, tornou devidamente conhecidos estes feitos heróicos pelo público nacional, quando o declamou no teatro São José, em São Paulo, em julho de 1868.
O poeta condoreiro, passado de geração em geração, através de admiradores devotados, quase um século depois de sua existência terrena, continuou a ser reverenciado pelos modernistas. E como antes, não se limitaram a mencioná-lo, Jorge Amado, escritor já consagrado, deixou de lado seu mundo simbólico para cumprir uma devoção para com a poesia, escrevendo sobre seu amante mais fiel. Daí surgiu o ABC de Castro Alves. O livro influenciou um grupo de bailarinos da UfBa que, com músicas do indizível Egberto Gismonte. montaram um espetáculo transcendental - Sonhos de Castro Alves - com direito à exposição, gravação de disco e tudo mais, quando ficou em cartaz, onde? no teatro Castro Alves.
Poetas e estudiosos como Guilherme de Almeida, José Oiticica também foram magnetizados por ele e estão se coçando para escrever um estudo. Até nosso Carlos Drumond de Andrade se referiu ao poeta baiano com todo respeito, talvez reconhecendo nele o verdadeiro "anjo torto".
A palavra verdade é que vem à tona quando relacionamos sua vida e sua obra. Exaltou a coragem dos baianos na luta pela independência, mas ele mesmo, precocemente, declarou-se republicano, anti-escravagista, em um regime imperial e escravocrata. Denunciou o barbarismo da guerra do Paraguai, lembrando dos órfãos deixados à míngua.
Talvez isto explique um pouco o fascínio atual por sua vida e obra. Ao se descobrir sua verve imediatamente, de forma até a abrupta, reconhecemos nossa liberdade como o fruto da luta que ele ajudou a tornar vitoriosa.
Existem ainda alguns fatos concretos que bem revelam essa força misteriosa que contagia a todos e que é a própria aura do poeta. Há alguns anos, a rede Globo, que não é de dar colher de chá para ninguém, realizou, um especial sobre sua vida, permeado por trechos de seus poemas, escrito por Doc Comparato, um dos melhores roteiristas da atualidade. Portugal passou a perna no Brasil - nada anormal - e fez um filme sobre o poeta com a grande fadista Amélia Rodrigues interpretando Eugênia Câmara, atriz de teatro que foi seu grande amor na vida.
Há algumas semanas, já sob a influência da comemoração dos 150 anos do seu nascimento, o Fantástico encerrou sua edição com trechos de seus poemas e com elogios rasgados. O Vídeo Show idem. O melhor teatro da Bahia, talvez do nordeste, leva seu nome. Uma estátua quase em tamanho natural, desde 1923, une duas grandezas, a Baía de Todos os Santos e a do homem que soube em um só sentimento de amor abarcar a mulher, a natureza, a sociedade, os amigos, os oprimidos, a pátria e o universo.
Castro Alves seria o que hoje denomina-se o homem integral, seus poemas que revelam o caráter psicológico do ser humano, bastante herméticos, devem ser lidos com maior cuidado. O seu lado místico, no entanto, é o que mais confirma e motiva essa integralidade. Castro Alves tinha aversão à ideia de "morrer jovem". Mas surpreendentemente escreve no final de um poema sobre os órfãos da guerra do Paraguai:
"(...) o berço é a barca que encalhou na vida, o túmulo é a barca do sidério porto".
Edvaldo Boaventura, bem diz: " sua poesia é produzida em um clima absoluto de exaltação social, de vibrante e alucinante berro contra as injustiças, de clamor despreparado e descontrolado, de prece cristã angustiante e incessante: "Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?".
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